Revista do NEFILLI

Núcleo de Estudos Filológicos, Lingüísticos e Literários – NEFILLI

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CONTO E ENCANTO

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terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

RESENHA: Um Poeta na Academia

Um Poeta na Academia

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SOUTO, Jomar Morais de. Itinerário lírico da Cidade de João Pessoa. João Pessoa: Iterplan, 1970. 55p.
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Profª. Drª. Bárbara de Fátima.


     E não poderia dar outra. No dia 29 de maio, assistimos à posse deste poeta que preenche exatamente a definição do que ele fez de melhor: escrever poesias. E que segundo Octavio Paz:
Damos voltas e voltas no ventre animal, no ventre mineral, no ventre temporal. Encontrar a saída: o poema.
     Não buscou rimas raras e as suas figuras de estilo descrevem as suas emoções sem aprisioná-las nas estruturas formais e suas sensações mais íntimas, porém humanas, demonstram no seu tom discursivo a sua psicologia do amor, da dor, o calor que humanizam coisas metaforizadas como se gente fosse:
Para que serve essa arte? Para representar uma idéia, reconstruir uma lembrança, reconstruir uma rima ou revelar o enigma. Uns gostam outros não. Picham. Veneram. É através da arte que se representa aquilo que o homem é. O real no simbólico. A sociedade. A história. É também a arte da busca do sentido, apresentando/representando a agonia, o medo, a singeleza, a poesia. (Chagas, 1977, p. 55)
     Por outro lado, o principal efeito presente no lirismo deste ITINERÁRIO LÍRICO, já o próprio título nos apresenta, com grande ou pequena intensidade – há uma crescente ânsia por parte do poeta de tudo ver, tudo tocar, tudo mostrar. O seu tempo é cronológico: “... mastreando em quatro séculos...”, “... advinha a meia-noite...”, “Filipéia. Quinze horas”, “... hoje à noite a moça vai...”, “... na Capital das Acácias, treze horas, e mormaço...”, “... de algum minuto dessa verde caminhada...”. O tempo define o seu significado universo da mensagem poética, que revela nitidamente suas antíteses estabelecidas no seu sentimento: ”... a ressonância ou a eclosão...”, “... rio e sangue...”, “... o trem penetra no Porto/o navio, na Estação”.
     As cores, essas sim, são determinantes de vários substantivos: enfatizam de modo especial o recurso utilizado pelo autor e acentuam a conotação de esperança contida nas emoções dele. O verde, segundo o DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS (Chevalier, 1982, p. 280) “é a cor da natureza, do crescimento. Do ponto de vista psicológico, indica a fruição de sensação (Função do real) a relação entre o sonhador e a realidade. É exatamente o que o seu coração faz e que o corpo aperfeiçoa “na verde caminhada” quando observamos “o verde que está no ar” e “onde o verde se exercita ”formando dessa maneira “um colar de contas verdes”. Por ser uma cor considerada fria, o verde jomardiano se nos apresenta com o calor das grandes descobertas que as “trombetas verdes” ressoam aos seus vencedores que empunhando suas “espadas verdes” nos trouxeram o âmago sublimar “do que está no ar”. O autor não compara. O autor instala. Jomar veio sem dúvida para,
... exprimir idéias, dar-lhes expressão, manifestá-las, extenuá-las: exprimir-se, de tal sentido, pô-lo; significar, querer dizer, valer, isto é, a saber, falar portuguez, em outras palavras, o que tanto vale, ter o mesmo sentido, incluir no conceito, envolver; entender-se, já se entende, sabe; claro está, já se supõe, insinuar, falar em metáforas, indicar, innuir, alludir, acenar, rezar, interpretar, tomar ao pé da letra, em tal sentido; allegorizar, dar no vinte, ter nome (de), ter por nome, soar... (Spitzer, 1986, p. 9)
     As metáforas do autor denotam o seu temperamento reservado e observador, diríamos até bastante intuitivo. O visual que elas apresentam faz Jomar sair de si mesmo para ocupar-se do que está ao seu redor, evitando assim, o efeito de aprofundar-se numa serena individualidade introvertida, que vai adentrando-se calmamente à medida que ele se exterioriza. As metáforas representam sensações visuais porque “os olhos mediram tudo” com uma “mistura distante e verde” através do “sono cruzmaltino do abandono” que “na noite fria”, na porta da eternidade” e desse modo “plange a alma em maracá. A maneira sensual impressa no ângulo feminino cuja imobilidade dos “olhos verdes de divagação” descreve um fascínio erótico na atmosfera de sua intimidade sombria:
Aí deitada neste leito triste, tu tens um jeito, assim de cortesã perdidamente só a contemplar a bacanal pagã cidade mascarada em pó. (Souto, 1970, p. 2)
     A simbologia animal está presente no texto através dos animais: galo e leão. O galo é definido pelo DICIONÁRIO DE SÍMBOLOS (Souto, 1970, p. 457) “marca uma fase da evolução interior: a integração das forças cotidianas ao nível de uma vida pessoal, onde espírito e matéria tendem a equilibrar-se numa unidade harmoniosa”. No poema temos “adro estranho da igreja de azulejos seiscentistas, na torre do galo, antiga, imóvel, de escura crista...”, também está totalmente metaforizado “que o galo preto da torre da Igreja de São Francisco advinha a meia-noite e já começa a cantar”. Quanto à alusão leonina, essa é definida como sendo “símbolo de justiça, é por essa qualificação, garantia do poder material ou espiritual” (Souto, 1970, p. 538). O autor descreve que “mesmo as terras que hoje Tôrres servem de perene pouso no claustro gris de São Bento ao barroco de um leão”, definindo o símbolo animal como passivo, é o mesmo que lhe dá vida, que lhe concede metaforicamente o poder de reverter o quadro da embriaguez imagística com surpreendente objetivação e reflexão: “Ruge, ruge Leão Velho! Ruge forte assim, Leão! Que por causa do silêncio de muitos leões cansados e cetros mais latão...”. Suas aliterações concretizam seus sintagmas maiores, associados às suas cadências irregulares quebrando a monotonia da repetição consonantal: “Brincava de esquecer e se escondia”, “... planície branca na areia...”, “... vento que vem da Penha”, “Gelo, sono, solidão”, “... colar de contas verdes...”, “... no calor co centro urbano...”, “... em ritmo de repetir...”, “... ou companhia de o som só se ir...”. As assonâncias ajudam a retratar a imagem através da sonoridade cadencial de suas intensidades. Essa cadência homogeneíza todo ITINERÁRIO LÍRICO de Jomar: “... caiar o acalanto”, buscando “uma ode em cada onda...”.
     O ato de resenhar livros implica algumas desvantagens. A principal é o pequeno espaço de que dispomos para apresentarmos uma pesquisa mais aprofundada do trabalho de alguns autores, onde temos que omitir minúcias e nuanças, traços considerados fundamentais e essenciais a serem retratados no decorrer da apresentação. A poesia de Jomar Souto é riquíssima em fatos históricos, políticos e sociais que descrevem exatamente não só um roteiro lírico de uma cidade, mas dá todo o percurso, nas entrelinhas, para alcançarmos a sua convicção de amar, de desenhar mental e liricamente a sua cidade. É partirmos para uma adesão lúdica, sem hesitações, inquietudes e retornos.
     Concluimos que o nosso passeio turístico através do ITINERÁRIO LÍRICO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA de Jomar Morais de Souto, dá-se através de um caminho sensato e sensível. É sob a ótica do poeta que se dá a efusão lingüística e a exposição dessa nos une em estranha cumplicidade. O livro é maravilhoso, recheado de redescobertas surpreendentes e originais, digno de ser lido e apreciado em detalhes até “eclipsar-se o olhar”.

(Resenha Crítica publicada na Revista do Unipê, v.2, n.2, João Pessoa, 19 de Maio de 1998. p.126-128)