Revista do NEFILLI

Núcleo de Estudos Filológicos, Lingüísticos e Literários – NEFILLI

O NEFILLI se propõe a ser um espaço virtual de articulação
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e as áreas de lingüística, literatura, filologia,
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CONTO E ENCANTO

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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

ARTIGO: Métodos Filológicos

Profª. Drª. Bárbara de Fátima.

RESUMO: Este trabalho é voltado para a análise de métodos filológicos empregados nas edições críticas de textos modernos. Trata-se de uma abordagem quantitativa e ao realçar a importância das edições analisadas, este trabalho mostra que, para que o potencial delas se realize o mais plenamente possível, é indispensável à capacitação de docentes e discentes nesta área de ensino-aprendizagem.

[...] A necessidade de construir textos autênticos se faz sentir quando um povo de alta civilização toma consciência dessa civilização e deseja preservar dos estragos do tempo as obras que lhe constituem o patrimônio espiritual [...].
ERICH AUERBACH (1970, 12)


1 – INTRODUÇÃO.


Segundo Auerbach, a edição crítica do texto é a forma mais autêntica da Filologia onde ele também a descreve como sendo Edóctica ou Crítica Textual – texto autêntico ou reconstruído. Daí definir-se a Filologia como sendo uma ciência com objeto e método próprio que “busca a verdade dos fatos”, e que como ciência inclui a observação (comprova os fatos), a experimentação. O objeto da Filologia é o texto escrito: antigo (literários), modernos (literários e não literários). Assim, o filólogo busca sua verdade nos textos.
A Edóctica é definida como sendo a edição crítica de textos. A edição crítica de textos é uma das formas mais antigas, clássica e porque não dizer a mais autêntica forma de apresentação da Filologia.
Esta necessidade de constituir textos com uma maior autenticidade parte do povo ansioso na preservação da civilização, partiu da época helenística. No século III a.C., esta tradição teve grande importância, principalmente, na constituição dos textos sagrados do Cristianismo. No que se refere aos tempos atuais, a edição de textos surgiu na Renascença , dos séculos XV e XVI.
No século XIV, os escritores Petrarca e Bocaccio, constituíam o tipo de escritor artista, o humanista, assim o movimento propagou-se e o Humanismo europeu atingiu seu apogeu no século XIV. Para que os humanistas chegassem a manifestar-se como os autores da Antiguidade Greco-Latina era necessário possuir os textos de forma autêntica, mas devido às guerras e catástrofes estes haviam desaparecido e a maior parte das cópias estavam nas bibliotecas dos conventos, amiúde e incompletas, às vezes mutiladas e fragmentárias.

2 - ETAPAS DE UMA EDIÇÃO CRÍTICA 


A partir dos humanistas, estabeleceu-se pouco a pouco um método rigoroso de reconstituição. Consiste este método, na técnica de classificação dos manuscritos:
- No passado – copiá-los (exemplo de uma nova fonte de erros).
- No presente – fotografá-los (exemplo de exclusão de erro de inadvertência). Aqui, o filólogo pode fazer a genealogia do manuscrito.
Assim, uma edição crítica completa dá o tal como o editor, com base nas suas pesquisas, julgou ele ter sido escrito pelo autor. A descoberta da imprensa facilitou sobremaneira a tarefa dos autores. A edição de textos não constitui uma tarefa inteiramente independente. Necessita das ciências auxiliares da Filologia. É preciso, antes de tudo, saber ler o texto, pois a maneira de dar forma às letras mudou nas diferentes épocas. Dentre as ciências especiais podemos citar: PALEOGRAFIA – LINGÜÍSTICA – ESTÉTICA – LITERATURA – HISTÓRIA – TEOLOGIA – FILOSOFIA.
A Edição de textos comporta todos os conhecimentos que sua explicação exija, embora na maior parte das vezes seja impossível possuí-los todos; um editor escrupuloso ver-se-á freqüentemente obrigado a aconselhar-se com especialistas.
A partir da segunda metade do século XIX, começaram a aparecer lingüistas romanizantes, como por exemplo: H. Schuchart, W. Meyer e Lübike. Destacam-se três correntes principais na Lingüística Românica dos últimos cinqüenta anos:
- Ferdinand de Saussure – Escola Genebrina.
- K. Vossler – Escola Idealista.
- Jules Gllierón – corrente que se dedica ao estudo dos dialetos.

A explicação do texto se impôs desde que existe a Filologia.

FILOLOGIA

TEXTO

FIXAR
Estabelecer, preparar, editar sob o ponto de vista filológico. Fixar é proceder diferente do autor e do editor comercial (= base filológica)

RESTAURAR
Retirar as dificuldades de interpretação por conta do tempo. 

COMENTAR
Explicar o texto – a termos de língua, intertextualidade, idéias, forma (soneto, teoria = influência)

As dificuldades de compreensão podem ser: puramente lingüística; estilo peculiar de emprego de palavras em sentido novo; de construções peremptas, arbitrárias ou artificiais; dificuldades que digam respeito ao conteúdo do texto.

Preparar um texto é preparar uma edição do ponto de vista filológico.

FORMAS


EDIÇÃO CRÍTICA (texto apurado)

EDÓCTICA ou CRÍTICA TEXTUAL
 Restauração
 Fixação
 Comentário: - Variantes - Datas - Letras - Literário

LINGÜÍSTICA 

PESQUISAS LITERÁRIAS
 Bibliografia
 Biografia
 Estética
 História

Normalmente, antes da apresentação do texto crítico, a edição crítica tem de passar por três etapas: a recensão, a estemática e a correção. 

Essas três etapas constituem o que se denomina crítica textual, que é um conjunto de operações destinadas a apurar, preparar ou estabelecer o texto para este tipo de edição.
A recensão, ou recensio é a operação inicial da edição crítica, que consiste no levantamento de todos os dados e testemunhos conhecidos, tanto na tradição direta quanto na indireta. A tradição direta é constituída das cópias manuscritas e as edições impressas do texto, e tradição indireta é constituída de todos os documentos que podem auxiliar na leitura ou interpretação desse texto, tais como as fontes, as traduções, as citações, os comentários etc. 

A colação e o expurgo dos exemplares inúteis ou coincidentes também fazem parte da fase chamada recensão ou recensio. 

A colação, ou collatio, é o confronto de todos os testemunhos recolhidos, tomando-se um deles como texto de base ou exemplar de colação, cuja execução exige cuidados muito especiais, pois é necessário que ele seja o que mais se aproxime do original. Por isto, é preciso verificar o estado de conservação do texto e a sua história externa, pois desta verificação é que resultará a escolha do texto base. No caso de se ter o original manuscrito, por exemplo, ou edições impressas em vida do autor, a preferência será dada a um deles, de acordo com critérios estabelecidos para cada caso. 

Ao final da colação, comparados todos os testemunhos, o filólogo exclui todos os exemplares que forem considerados inúteis ao estabelecimento do texto crítico por serem coincidentes (ou cópias de outros testemunhos subsistentes) ou por outros motivos, como, por exemplo, por serem edições contaminadas ou deturpadas. A esta operação da crítica textual se costuma denominar eliminatio codicum descriptorum (eliminação dos códices copiados). 

O stemma codicum, no sentido restrito, é organizado com os exemplares que restarem após esta operação, em forma de uma árvore de raiz para cima, constituindo-se na síntese da estemática, que é a fase da crítica textual que classifica e organiza os exemplares remanescentes, deixando explícitas todas as relações de dependência existentes entre cada um deles e os demais. A construção desta árvore genealógica dos manuscritos e edições, que parte do original ou arquétipo e termina nos testemunhos supérstites mais recentes. 

Há casos em que a estemática é dispensável, como naqueles em que há um codex unicus, quando só há uma edição impressa da obra e quando o original está perfeito e não houve edição em vida do autor. 

A terceira fase da crítica textual é a emendatio ou correção do texto, que pode ser feita através do cotejo dos códices ou das edições ou por conjeturas. No primeiro caso, cotejam-se os textos e mantém-se a forma que prevalecer no maior número de famílias; no segundo caso, quando tal cotejo se mostrar inútil, somente os conhecimentos do filólogo em relação ao texto, ao ator e à época poderão solucionar todos os casos. 

A apresentação do texto, que é o coroamento da tarefa do filólogo, é feita em duas partes, a saber: a introdução ou prefácio e o texto propriamente dito. 

A introdução deve conter “os elementos históricos e metodológicos relacionados com o autor, com a época e com a obra”, segundo o Prof. Leodegário (cf. AZEVEDO FILHO, 1987, p. 58). Nesta parte deve ser incluída uma informação biobibliográfica do autor, a tradição manuscrita e impressa, direta e indireta da obra, a análise dos métodos usados nas edições anteriores, o método adotado (com informação minuciosa sobre as etapas da pesquisa), abreviaturas utilizadas, normas de transcrição, informações sobre a ortografia dos manuscritos e digressões sobre a obra (seu significado estético, histórico, científico, etc.). 

O texto propriedade dito deve conter o texto apurado, o aparato crítico (onde se encontram as fontes, a genealogia, o elenco das variantes, as notas e os comentários), o glossário, fac-símiles, índices e a bibliografia. 

Para se ter uma idéia melhor das etapas de uma edição crítica, leiam-se, pelo menos as seguintes páginas da bibliografia indicada ao final deste artigo: ARAÚJO, p. 193-212; AZEVEDO FILHO, 1987, p. 36-61; HOUAISS, vol. I, p. 215-225 e 229-244 e SPINA, p. 86-147. 

Sobre as normas de transcrição, dependendo da natureza do texto, de sua época, do número e qualidade dos testemunhos subsistentes etc., cada editor crítico estabelece o seu critério. Isto não quer dizer que não haja uma diretriz mais ou menos generalizada. Por isto mesmo, talvez, nenhuma norma de transcrição está isenta de crítica, visto que ela representa sempre uma interpretação pessoal do seu executor. Por isto, não faremos uma crítica particularizada às normas estabelecidas pelos editores analisados, pois o que nos parece essencial, neste caso, é a coerência interna do editor, não mudando de critério a seu bel-prazer, mas justificando previamente suas transcrições. 

As normas de transcrição, que constituem um aspecto da metodologia de grandes repercussões práticas na edição crítica, merecerão um item à parte neste trabalho.
Quando se trata de um codex unicus, a modernização ortográfica só é justificável no sentido de atingir um público leitor mais amplo e, conseqüentemente, conseguir uma pesquisa de mercado menos desfavorável. No entanto, quando se trata de codices plurimi ou de várias edições impressas, quase nunca é produtiva a manutenção da grafia do texto base, principalmente se este não corresponde ao original manuscrito nem à edição impressa definitiva. 

O tratamento dado às maiúsculas, à ligação e separação de palavras, à acentuação, à pontuação e à divisão de texto deve ser minuciosamente descrito na introdução.
No capítulo seguinte, apresentaremos uma análise de seis edições críticas em português arcaico e moderno, em prosa e em verso, de codex unicus e de codices plurimi, inéditos e éditos, brasileiros e portugueses, de modo a dar uma idéia bastante próxima da prática editorial resultante da moderna crítica textual luso-brasileira. 



3 - ANÁLISE METODOLÓGICA DE ALGUMAS EDIÇÕES CRÍTICAS. 


Pretendemos mostrar, neste capítulo, que as edições críticas dificilmente atingem os objetivos idealizados por seus empreendedores. Quase todos eles lamentam não poderem superar algum tipo de obstáculo que se lhes apresentou, tais como: a complexidade metodológica da crítica textual, as dificuldades de acesso aos testemunhos existentes e, mesmo, de descobri-los, e as exigências das casas editoriais, pressionadas pelas pesquisas de mercado. 

Acredita-se que as edições críticas estão em ascensão graças, principalmente, aos professores das faculdades de Letras, História, Teologia e outras que têm o texto como material e fonte de pesquisa, assim como os de línguas e literaturas de níveis médio, que têm procurado mostrar os prejuízos que o uso de textos editados irresponsavelmente pode causar. 

Analisaremos, no que se refere à metodologia adotada, seis edições críticas, procurando mostrar até em ponto a realidade possível se distanciou do ideal pretendido por seus organizadores, tendo por certo que a realidade possível é a que se conseguiu e que o ideal pretendido é o que se estabeleceu na introdução de cada uma dessas edições, que são: Obras de Casimiro, por Souza da Silveira; Cantigas d’Amigo dos Trovadores Galego-Portugueses, por José Joaquim Nunes; Livro dos Ofícios, por Joseph M. Piel; As Cantigas de Pêro Meogo, por Leodegário A. de Azevedo Filho; A Demanda do Santo Graal, por Augusto Magne e Memórias Póstumas de Brás Cubas, pela Comissão Machado de Assis.



3.1 - OBRAS DE CASIMIRO DE ABREU 

SILVEIRA, Álvaro Ferdinando de Souza da. Obras de Casimiro Abreu: apuração e revisão de texto, escorço biográfico, notas e índices por 2. ed. melhorada. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1955. XXXVI + 471 p. 

Esta edição, na opinião do Prof. Celso Cunha, interpelado por nós a este respeito, é um dos monumentos da crítica textual brasileira, suficiente para colocar o seu organizador entre os que realizaram suficientemente uma edição crítica de nossos textos modernos.
Após o “Índice de Matéria”, ou sumário, e da dedicatória a Ribeiro Couto, o editor escreveu uma “Advertência da 1ª. Edição”, que é de 1939, onde registra que “vá na ortografia simplificada o próprio texto de Casimiro” (p. XVII). Mas ele não diz qual foi o seu texto de base nem qual o critério para avaliar que aquele era o “próprio texto de Casimiro”. Diz apenas que o conferiu cuidadosamente com o das “edições merecedoras de confiança, sem, sequer, se dar ao trabalho de descrevê-las”. 

Registra algumas ilustrações e alterações na ordem das poesias pelo volume, mas, como diz que em nova edição pretende adotar outra seriação, entendemos que nem respeitou a ordem do “texto de Casimiro” nem adotou uma ordem que, definitivamente, lhe parecesse a melhor. De qualquer modo, não justificou suficientemente as alterações introduzidas no texto. 

Apesar de declarar que a restituição do texto foi feita em conformidade com o publicado em vida do autor e de considerar bastante deturpadas as edições póstumas, não discrimina tais edições nem mostra os pontos em que elas lhe pareceram assim. Aliás é bom lembrar a possibilidade de uma edição póstuma ter por fonte um manuscrito do autor ou um outro texto mais fiel do que algum outro publicado durante sua vida. Além disso, lembramos que foram acrescentados muitos textos transcritos de fontes consideradas boas, apesar de póstumas, sem nenhuma fundamentação dos critérios de seu julgamento de valor. 

Portanto, uma análise qualitativa das edições usadas e criticadas pelo editor não poderia ter sido omitida, como foi. 

A apresentação de uma única nota de rodapé, à página 5, em desacordo com todas as demais notas do aparato crítico, que aparecem ao final de cada texto, constitui, provavelmente, um erro do editor, que poderia ter sido corrigido pelo revisor. Essa nota de rodapé constitui, erroneamente, a continuação das notas dos textos introdutórios do editor, apesar de se referir ao texto de Casimiro. 

Enfim, Sousa da Silveira acrescentou textos ao seu texto base, que só foi definido como “os textos que foram publicados em vida do autor”; alterou a ordem das poesias, com a qual ainda não se achou satisfeito; não deu a tradição manuscrita nem impressa das poesias, nem avaliou as edições existentes; não indicou os critérios utilizados para distinguir as boas das más fontes, transcrevendo poemas possivelmente deturpados, e usou duplo critério na apresentação das notas do aparato crítico. 



3.2 - CANTIGAS D’AMIGOS DOS TROVADORES GALEGO-PORTUGUESES 

NUNES, José Joaquim. Cantigas d’amigo dos trovadores galego-portugueses. Edição crítica, acompanhada de introdução, comentário, variantes e glossário. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1973. 3 vol. A 1ª edição é de Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926-28. 

Aproveitando as magistrais lições de D. Carolina Michäellis de Vasconcelos, é esta uma respeitável edição das cantigas de amigo, talvez a melhor que delas já se fez.
Na “Introdução”, que constitui o primeiro volume dessa obra, o autor trata da origem, objeto e divisão das cantigas de amigo; dos cultores e das características da poesia provençal e de sua influência na poesia galego-portuguesa; da biografia dos trovadores galego-portugueses; da gramática e poética das cantigas de amigo e dos dois códices em que elas se conservaram. 

No segundo volume aparecem os textos, que vêm procedidos de uma introdução intitulada “Ao Leitor” (p. VII-XVI), dando-nos a sua orientação metodológica.
No terceiro volume, dividido em quatro partes, temos: o comentário métrico e filológico das cantigas; as suas variantes, que constituem as ligações dos cancioneiros da Vaticana e Colocci-Bracuti; o glossário e, por fim, as correções e aditamentos ou acrescentamentos. 

O texto foi estabelecido a partir do cotejo dos dois apógrafos acima referidos. No entanto, não houve um critério absolutamente objetiva para decidir os casos em que havia divergência entre os dois códices, tornando-se, o editor crítico, o árbitro absoluto para cada caso. Algumas vezes ele tomou a liberdade, inclusive, de se afastar dos manuscritos, na crença de que os copistas não haviam decifrado corretamente o original. Nestes casos, as soluções foram de duas naturezas: estabelecimento de uma leitura diferente, de acordo com o que se lhe afigurou teria sido a primitiva lição, ou o acréscimo ou eliminação de palavras. 

Foi nesses pontos (onde ele se afastou do manuscrito) que seu trabalho se tornou menos científico e mais sujeito a erros. Tanto assim é que, antes mesmo de terminar a edição desses textos, foi necessário acrescentar-lhes algumas correções.
Objetivo e prático em seu trabalho, J. J. NUNES apreciou e comentou as 512 cantigas de amigo editadas numa média de apenas duas páginas cada uma, e com uma eficiência que só um grande filólogo pode conseguir. 

Este é um trabalho que bem pode ser comparado com a edição das Cantigas de Pêro Meogo, empreendida pelo prof. Leodegário A. de Azevedo Filho, ou com a edição de Uma Forma Provençalesca na Lírica de Camões, por Emmanuel Pereira Filho, em que 132 e 51 versos mereceram 149 e 143 páginas, respectivamente, de notas, comentários etc. A síntese prática do primeiro se opõe à profundidade de abordagens e à erudição da análise dos dois outros. 



3.3 - AS CANTIGAS DE PÊRO MEOGO 

AZEVEDO FILHO, Leodegário Amarante de. As cantigas de Pêro Meogo: Estabelecimento crítico dos textos, análise literária, glossário e reprodução fac-similar dos manuscritos. Rio de Janeiro: Gernasa, 1974. 149 p. ilustradas. 

Na “Introdução”, Leodegário justifica a sua edição, faz breves observações sobre o nome Meogo, dá a história dos códices, descreve as suas principais edições e estabelece as normas adotadas, entre as quais é mister ressaltar a seguinte: 

Aplicação do seguinte esquema de análise em relação ao texto de cada cantiga:
1. Versificação;
2. Indicação dos manuscritos;
3. Variante dos manuscritos;
4. Leitura crítica compreendendo:
a) pontuação;
b) crítica geral do texto impresso;
5. Sentido geral do texto.
(AZEVEDO FILHO, 1974, p. 33) 

O texto, constituído de 9 cantigas e 132 versos, foi impresso com tipos maiores que as outras partes do trabalho. Como são pequenas as cantigas, seus versos não foram numerados expressamente no texto, mas remetidos numericamente no aparato crítico, já que se podem facilmente contar. 


No desenvolvimento do esquema que transcrevemos acima, houve um cuidado muito especial com a interpretação lingüística e literária, não se descuidando também dos aspecto ecdótico propriamente dito, da crítica textual.


Na terceira parte do trabalho, intitulada “Da Narrativa e da Comunicação Simbólica”, o editor analisa: os personagens, o tempo, os símbolos, o ambiente, a dinâmica dos refrães, a ação e o inventário das ações. Depois disso, ainda acrescenta um glossário etimológico, a reprodução fac-similar dos manuscritos e a bibliografia.


Para pequenos textos, este é um exemplo e modelo de edição crítica bem feita, mas um esquema semelhante se torna inexeqüível quando aplicado a um grande texto, como os Lusíadas, por exemplo, a menos que se conte com uma boa equipe de trabalho, bastante tempo e muitos recursos financeiros e técnicos. Os custos de uma tal edição seriam altíssimos e dificilmente uma editora se arriscaria a um empreendimento dessa monta.




3.4 - LIVRO DOS OFÍCIOS 
PIEL, Joseph M. Livro dos ofícios de Marco Túlio Cícero, o qual tornou em linguagem o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. Edição crítica, segundo o ms. de Madri, prefaciada, anotada e acompanhada de glossário. [Coimbra]: Por ordem da Universidade, 1948. LXXVI + 240 p. ilustradas. 
Na “Introdução”, Piel faz um estudo sobre o autor (p. V-VIII), sobre a obra (p. VII-XXXII) e sobre a presente edição (p. XXXII-XL). A seguir (p. XLI-LXXVI), apresenta duas cartas, quatro prólogos e um fac-símile da primeira página do manuscrito. Por fim, a “Dedicatória” e o texto do Livro dos Ofícios. 
O próprio editor acha apenas razoável o critério que segue, confessando que assim o fez por não ter encontrado outro melhor (Cf. p. XXXVII). Seu objetivo é facilitar a consulta ao livro, mantendo um máximo de fidelidade à linguagem do original. 
Não entendemos por que o editor manteve os “caldeirões” do original, visto que ele interveio na pontuação de todo o texto, que só possuía este sinal de pontuação e uma espécie de ponto a meia altura da linha. Para o leitor moderno, tal manutenção de nada facilita a inteligência do texto, como ele pretende fazer acreditar. 
Piel usa as barras verticais para apresentar propostas de acréscimo. No entanto, usa o mesmo sinal, criando uma ambigüidade, para apresentar as suas propostas de substituição. Para este caso, em nossa opinião, melhor seria que se usassem notas de rodapé, indicando-se a forma proposta e a forma que ele supôs que deveria se substituída. 
Tendo uma versão latina constantemente à vista (diga-se de passagem que era comprovadamente diferente da que foi usada pelo príncipe e não era a melhor que ele conhecia), a ela se refere freqüentemente para facilitar a compreensão da versão portuguesa, intervindo parcimoniosamente, em sua opinião, no texto que editava. 
Foi uma falha pouco justificável do editor o fato de não examinar pessoalmente o códice madrileno (a uma distância inferior à que nos separa de nossa capital), servindo-se apenas de uma reprodução fotográfica. Muitos dos erros seriam evitados e muitos seriam explicados de outro modo, assim como poderia ter-nos oferecido uma descrição pormenorizada daquele manuscrito. 


3.5 - A DEMANDA DO SANTO GRAAL 
MAGNE, Augusto. A demanda do Santo Graal. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. 3 vol. ilustrados. 
O Pe. Augusto Magne trata, no “prefácio” dessa definição, do codex unicus d’A Demanda do Santo Graal em português, que é o códice vienense, e das frustradas tentativas de publicação que o precederam. A seguir, justifica a sua opção por uma edição crítica ao invés de uma edição diplomática, que seria mais científica, em sua opinião. 
No texto, abre alíneas inexistentes no códice vienense, numera-as e acrescenta, em negrito, os vocábulos ou mesmo cláusulas que lhe pareceram indispensáveis para tornar o texto compreensível. 
A maior parte dos títulos também é criação do editor, que segue os mesmos padrões dos títulos existentes nos manuscritos, ou seja, dando-lhes a forma de síntese da matéria de cada alínea. 
Disfarçadamente, expurgou o texto de algumas cenas por ele consideradas indignas, transcrevendo-as nas “Anotações Complementares” que acompanham os dois volumes do texto. Essa atitude de “censor” foi causa de acirradas e violentas críticas ao seu trabalho e de lamentável desdouro a tão valioso estudo. 
Ao final de sua vida, reparando o seu pecado editorial, produziu uma edição diplomática do mesmo texto, acompanhada, folha a folha, de uma edição fotográfica do manuscrito de Viena. 
As notas do aparato crítico remetem numericamente às linhas de cada alínea, que não são expressamente numeradas no texto. Do mesmo modo são as remissões das “Anotações Complementares”. 
No final de cada volume, são apresentadas algumas folhas do manuscrito em reprodução fotográfica, não só como ilustração, mas também como uma forma de mostrar concretamente alguns casos em que o editor interveio na forma do texto. 
As minúcias de linguagem não foram tratadas no aparato crítico, ficando reservadas para o Glossário, que constitui o terceiro volume dessa edição, e para a Gramática, da qual só conhecemos a promessa. Do mesmo modo, as questões de ordem histórica e literária foram adiadas para uma prometida, mas não publicada Antologia da prosa arcaica. 
Quanto ao Glossário, o autor confessa que são numerosíssimas as falhas e lacunas, a tal ponto que prefere não corrigi-lo, mas reescrevê-lo e publicá-lo posteriormente, com todas as correções e acréscimos, tendo saído em três volumes. 
Apesar das violentas críticas sofridas por causa dos referidos expurgos e da ausência do tratamento gramatical, literário e histórico esperado, esta é uma exemplar edição crítica de textos medievais portugueses em prosa. 


3.6 - MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS 
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Comissão Machado de Assis, Obras de Machado de Assis, vol. VI. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1960. 304 p. ilustradas. 
Os trabalhos específicos deste volume foram realizados pela subcomissão constituída por Lúcia Miguel Pereira, Augusto Meyer, J. Galante de Sousa, Antônio Houaiss, Antônio José Chediak, Celso Ferreira da Cunha e Maria Filgueiras, com aprovação do plenário da Comissão Machado de Assis, depois de minuciosa discussão. 
No “Prefácio” é feita a história do livro e sua situação no conjunto da obra do autor.
Segue-se-lhe uma “Cronologia Biobibliográfica” de Machado de Assis e uma “Bibliografia” exaustiva do e sobre o romance em questão. 
Na “Introdução Crítico-Filológica” podem-se distinguir quatro partes, a saber:
1. Descrição das edições cotejadas e definição de seu estema;
2. Critérios gerais para o tratamento crítico do texto;
3. Desenvolvimento de alguns itens dos critérios gerais para o tratamento crítico do texto e justificação da adoção de uma lição conservadora;
4. O sistema remissivo, o padrão de apresentação do texto e o aparato crítico. 


3.6.1 - A ESTEMÁTICA 
O texto das Memórias póstumas de Brás Cubas foi estabelecido mediante o cotejo das quatro edições impressas em vida do autor e de três edições póstumas, não se levando em conta o manuscrito e tendo como exemplar de colação a quarta edição, indicada no aparato pela letra O, só foi cotejada por ser a primeira que se fez na ortografia simplificada, vigente na época da edição crítica. 
O estema linear das Memórias póstumas de Brás Cubas pode ser representada por A ? B ? C ? D |? (E) ? F ? G |? P, em que A, B, C e D são as edições em vida do autor, E é uma edição que estava perdida, mas que foi incluída como um subarquétipo (descoberta posteriormente), F e G são outras edições póstumas e P é a edição crítica presentemente analisada. 
Como esta edição crítica corresponde a um somatório das quatro edições em vida do autor, poderemos assim simplificar o seu estema: A ? B ? C ? D ? P. 


3.6.2 - CRÍTICAS À EDIÇÃO 
Apesar de ficar estabelecido que o aparato crítico “consignará todas as variantes textuais em cotejo” (cf. p. 60), isto foi desrespeitado freqüentíssimas vezes, quando se tratou da edição O, dando-se dela apenas uma pequena amostragem (cf. p. 57). 
Faltou à comissão um pouco mais de atenção, quando deixou de corrigir ou, ao menos, apontar os erros “óbvios” em casos como o que se registra na citação feita no § 3, em desacordo com parte da mesma citação no § 4 e com o texto citado, no § 5? Ou será este um erro de revisão, específico desta edição? 
No parágrafo 99 temos um pequeno erro de impressão, quando se deixou de acentuar o “é” da expressão “nisso é que”, escrevendo-se “nisso e que”. 
Outra dúvida que nos atormenta em relação à lição dita conservadora, adotada nesta edição, é o fato de serem mantidas formas evidentemente “erradas”, apesar de terem sido usadas as formas “corretas” em alguma das edições cotejadas, como é o caso, por exemplo, de “em quanto” por “enquanto”, no § 57, e de “do mim” por “de mim”, no § 70. 
Foi feita uma anotação no aparato crítico referente ao § 108 que é um erro evidente, pois, na realidade, o fato anotado não está naquele, nas no § seguinte. É a indicação de que na edição O foi impresso “dividiam: daí as” por “dividiam-se; daí as”. 


3.6.3 - PADRÃO DE APRESENTAÇÃO 
Essa edição crítica foi produzida com o seguinte padrão de apresentação:
1. Prefácio;
2. Ficha biobibliográfica do autor;
3. Bibliografia particular do livro;
4. Introdução crítico-filológica;
5. A obra, com todos os seus componentes preliminares. 
As notas do aparato crítico são bastante sucintas e têm o mesmo número de ordem dos parágrafos a que se referem, situando-se no rodapé do texto crítico, com as siglas das edições cotejadas e suas variantes respectivas, na ordem em que aparecem nos parágrafos. 


4 - NORMAS DE TRANSCRIÇÃO 
Nas seis edições analisadas, apesar de suas enormes diferenças, há muitos pontos em comum no que se refere às normas de transcrição adotadas. 
Todas elas tiveram como objetivo prático principal, como podemos ler em PIEL, p. XXXVII: “... reduzir a um mínimo, para quem consultar o livro, as dificuldades de ordem puramente exterior e material do manuscrito, aliando a este procedimento um máximo de fidelidade quanto à essência da linguagem do original”. 
As diferenças podem estar relacionadas com o período da língua em que foi redigido o original, com o método da crítica textual adotado (se lachmanniano ou bédieriano), com o número de testemunhos cotejados, com a forma do texto (prosa ou verso), com o perfil do leitor que se pretende atingir, etc. 
Duas opções opostas, entre as quais se situa a maior parte das edições críticas, são a reprodução ipsis verbis litterisque da edição, apógrafo ou autógrafo tomado como exemplar de colação, que constitui a edição diplomática, e a atualização ortográfica absoluta. 
Souza da Silveira, na edição das Obras de Casimiro de Abreu, estabeleceu simplesmente esta norma de transcrição (cf. p. XVII): “Vá na ortografia simplificada o próprio texto de Casimiro, que cuidadosamente conferi com o das edições merecedoras de confiança”. 
Para os que assim decidem, a ortografia corresponde a uma simples roupagem da língua, sem maiores conseqüências para a interpretação da obra. 
No entanto, para a maioria dos editores críticos, a ortografia pode ser modernizada, mas é preciso estabelecer critérios específicos, de acordo com a natureza e a época da obra, com a importância do autor, etc. 
A Comissão Machado de Assis, por exemplo, preferiu adotar uma edição conservadora, na qual se deverá:
a) simplificar o revestimento gráfico, da ortografia, do texto de base, mas de tal arte que não se traia nenhum fato lingüístico propriamente dito, subjacente na ortografia que se simplifica; desse modo, todos os valores realmente diferenciais, bem como todos os valores potencialmente diferenciais de fatos lingüísticos que existam por baixo da ortografia original, devem ser respeitados, e assim também se procederá nos casos duvidosos ainda insanáveis ou não superáveis;
b) corrigir os chamados erros óbvios, isto é, aqueles que, numa paráfrase da fórmula do crítico verbal Louis Havet, são erros em que o leitor mediano não atento, numa leitura espontâneo, tão óbvio é a lição verdadeira que não está impressa;
c) conservar todas as formas duvidosas, desde que passíveis de uma interpretação satisfatória, ainda que algo inverossímil.
(ASSIS, p. 61) 
Já o Prof. Leodegário, J. J. Nunes e o Pe. Augusto Magne preferiram estabelecer um “sistema gráfico racional e coerente” (cf. MAGNE, p. 33), que não reproduz a grafia da época em que seus textos de base foram escritos nem a da época em que foram produzidas suas edições críticas. Mas, como se trata de textos do português arcaico, o conservadorismo de suas edições se torna mais perceptível do que a da edição das Memórias póstumas de Brás Cubas, que é um texto moderno. Tais leituras constituem uma criação nova dos textos que os editores imaginaram que o autor teria desejado escrever, um termo de compromisso entre a grafia de hoje e as daquelas épocas. 
Menos preocupados com a racionalização e coerência do texto crítico e mais coerente com os originais, Joseph M. Piel e J. J. Nunes também tiveram a intenção de facilitar a leitura dos textos que estavam preparando. 
Atualizando a ortografia do texto, a Comissão Machado de Assis respeitou a forma do autor, com ou sem coerência interna, todas as vezes que se tratava de formas sincréticas (cf. p. 65), do emprego da chamada crase (cf. p. 64 in fine) e do emprego da pretônica e/i, em(en)/im(in), o/u, om(on)/um(un), das postônicas e/i e o/u e de e/ei e o/ou tônica ou pretônica (cf. p. 63-65). 
Na realidade, não é fácil criticar qualquer opção do editor crítico em relação às normas de transcrição adotadas, pois quaisquer outras que as substituam poderão também sofrer outras tantas críticas. 
Na verdade, esse meio termo adotado pelos editores críticos não nos parece o melhor critério. Talvez fosse melhor fazer a atualização absoluta da ortografia e registrar, na introdução ou num vocabulário, as variantes gráficas encontradas e, se possível, a freqüência de cada uma. 
Alguns editores críticos (cf. MAGNE e PIEL) indicaram, no próprio texto, os pontos em que se mudou de fólio ou de coluna, no texto de base. Quando isto é importante, como é o caso da publicação de manuscritos, tal indicação deve ser feita no texto, entre barras verticais ou colchetes e em negrito, como nos mostra o Pe. Augusto Magne. 
Os acréscimos sugeridos ao texto de base também devem ser feitos entre colchetes, mas as supressões devem ser indicadas entre parênteses, como fazem Joseph M. Piel e Leodegário. 
Desfazer as siglas e abreviaturas, na maior parte dos casos, corresponde a atualizar a grafia, assim como desfazer os conglomerados gráficos ou juntar as partes de vocábulos escritos separadamente no texto de base. 
De outro lado, não nos parece conveniente normalizar a grafia nos casos em que ela reflete ou pode refletir a pronúncia da época nem naquelas “etimologicamente não justificadas’ (cf. PIEL, p. XXXIX e XL), a não ser que se faça como sugerimos acima, registrando todos os casos na introdução ou num vocabulário. 
Dependendo do texto, normas mais específicas deverão ser estabelecidas, algumas até com exclusividade para determinado vocábulo ou sinal gráfico, não cabendo aqui entrar nessas minúcias. Seriam os casos, por exemplo, do tratamento dado por J. J. Nunes ao valor duplo do o de ousar, no verso 23 da cantiga CCLVI ou da decisão de Piel de manter os “caldeirões” em sua edição do Livro dos ofícios. 
Enfim, as normas de transcrição gráfica só poderão ser estabelecidas pelo editor crítico depois de profunda análise do seu texto de base, das suas características e dos objetivos da própria edição empreendida. Qualquer decisão antecipada ou apressada pode levar todo o trabalho do editor a confusões e a perdas irreparáveis. 


5 - CONCLUSÃO 


A crítica textual em língua portuguesa já possui alguns trabalhos práticos que podem ser considerados modelares, tanto em edições de textos medievais ou de português arcaico, quanto em edições de textos modernos. 
Sabemos que há muitas outras edições em português que podem competir qualitativamente com qualquer uma das que selecionamos para este trabalho. Por isto, sabemos que há muitas outras opções para se resolverem problemas idênticos aos surgidos neste corpus, assim como é maior o número dos problemas que nem sequer foram levantados aqui. 
Os trabalhos da crítica textual, stricto sensu, só foram realizados, efetivamente, na edição da Comissão Machado de Assis, na de J. J. Nunes e na do Prof. Leodegário. 
Quanto à edição das obras de Casimiro de Abreu, Souza da Silveira não se deu nem mesmo ao trabalho de cotejar as edições conhecidas, decidindo, mais ou menos arbitrariamente, qual seria a edição a ser seguida e as correções e acréscimos a serem feitos. A Demanda do Santo Graal é a edição crítica de um codex unicus, assim como o Livro dos Ofícios, dispensando quase todas as etapas específicas da crítica textual, exceto apenas a emendatio. 
A forma de apresentação de cada uma das edições analisadas constitui um caso à parte, pois nenhuma se assemelha estruturalmente a nenhuma das outras. Isto nos mostra que o editor crítico deverá ter bem definidos em sua mente e no seu projeto de edição quais os objetivos de seu trabalho. Só a partir dos objetivos bem claros é que o editor poderá decidir a forma ou estrutura da apresentação do texto de uma edição crítica. 
Apesar de haver alguns princípios básicos aconselháveis a todos os editores críticos, tanto as normas de transcrição quanto à forma de apresentação do texto, serão decididas pessoalmente pelo editor e particularmente para cada obra. 
O que não pode faltar numa edição crítica é a fidelidade ao texto de base e o estabelecimento de critérios seguros, aos quais não se permite nenhuma forma de desobediência. Quanto aos detalhes, tudo deverá ficar bem estabelecido na introdução metodológica ou crítico-filológica. Isto é o que aprendemos com este trabalho. 
Sempre insatisfeito com os nossos pequenos avanços no conhecimento e domínio da técnica e da arte da crítica textual e das pesquisas filológicas em geral, lamentamos não termos conseguido nos aproximar mais de nossas altas aspirações, muito além do ponto a que conseguimos chegar. 
Mesmo assim, estamos certo de termos apresentado mais uma importante contribuição para o desenvolvimento das pesquisas filológicas, na área específica da crítica textual, principalmente porque nos conscientizamos de alguns problemas que teremos de enfrentar em nossas pesquisas. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ARAÚJO, Emanuel. A construção do livro: princípios da técnica de editoração. Prefácio de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: Instituto Nacional do Livro / Pró-Memória, 1986. 676 p. ilustradas.
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. Comissão Machado de Assis, Obras de Machado de Assis, vol. VI. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1960. 304 p. ilustradas.
AUERBACH, Erich. Introdução aos estudos literários. Tradução de José Paulo Paes. São Paulo Cultrix, 1970.
AZEVEDO FILHO, Leodegário A. de. As cantigas de Pero Meogo; estabelecimento crítico dos textos, análise literária, glossário e reprodução fac-similar dos manuscritos. Rio de Janeiro: Gernasa, 1974. 149 p. ilustradas.
_________________________________. Iniciação em crítica textual. Apresentação de Antônio Houaiss. Rio de Janeiro: Presença; São Paulo: EDUSP, 1987. 156 p.
HOUAISS, Antônio. Elementos de bibliologia. Reimpressão fac-similar. São Paulo: HUCITEC; [Brasília]: Instituto Nacional do Livro/Pró-Memória, 1983.
MAGNE, Augusto. A demanda do Santo Graal. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1944. 3 vol. ilustrados.
NUNES, José Joaquim. Cantigas d’amigo dos trovadores galego-portugueses. Edição crítica, acompanhada de introdução, comentário, variantes e glossário. Lisboa: Centro do Livro Brasileiro, 1973. 3 vol.
PEREIRA FILHO, Emmanuel. Uma forma provençalesca na lírica de Camões. Rio de Janeiro: Gernasa, 1974. 143 p.
PIEL, Joseph M. Livro dos ofícios de Marco Tullio Ciceram, o qual tornou em linguagem o Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. Edição crítica, segundo o ms. de Madrid, prefaciada, anotada e acompanhada de glossário. [Coimbra]: Por ordem da Universidade, 1948. LXXVI + 240 p. ilustradas.
SPINA, Segismundo. Introdução à Edótica: crítica textual. São Paulo: Cultrix/EDUSP, 1977. 153 p. ilustradas.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

RESENHA CRÍTICA: A crítica textual



Profª. Drª. Bárbara de Fátima.


VALENCY, Gisele. A crítica textual. In: BERGEZ, Daniel et alii. Métodos críticos para a análise literaria. Trad. Olinda Maria Rodríguez Prata. São Paulo: Martins Fontes, 1997.  p.183-226.


            Para a crítica textual percebe-se que a obra literária é de fundamental importância. Uma área que aborda de forma precisa é a lingüística porque comporta níveis múltiplos (semiótica, semântica, sintaxe, pragmática, etc.). Assim sendo, para dar suporte teórico ao seu texto, Valency cita o papel de três lingüistas: Ferdinand de Saussure, Roman Jakobson e Émile Benveniste para demonstrar que seus trabalhos foram apresentados sob uma ótica “estrutural”. O estruturalismo se baseia em analisar a obra sem se preocupar com as intenções do autor. A obra deve ser estudada em relação com a vida do autor e os costumes de seu tempo. Já o formalismo relaciona a obra do autor com os setores da cultura e da realidade social.
            Valency apresenta a pluralidade de concepções formalizadas com relação a: 1-  Análise estrutural das narrativas; 2- Teoria do texto poético (função poética, o modelo fonemático; o significante e o fonema); os anagramas de Sausurre e o signo em poesia; as sobredeterminações: teoria e exemplos; sobredeterminação por associação e metonímia; sobredeterminação do significado pelo significante; sobredeterminbação pela intertextualidade; sobredeterminação do figurado pelo literal: a letra e o espírito; debates: contra o fechamento do texto); 3- Texto plural (deslocamento da retórica; a forma-sentido, posição de R. Barthes; a conotação;o contexto social e a conotação; a conotação e a disseminação); 4- Teorias do texto oriundas das problemáticas da enunciação (a literatura e os pactos narrativos; a enunciação no texto; discurso, narrativa: a dêixis; a pessoa no texto: o descentramento do “ele”; formas de anterioridade: tempo e cronologia; os marcadores de cronologia e a localização da narrativa; a ordem do texto; anáfora retórica e anáfora gramatical; cronologia e vozes narrativas; as vozes narrativas; a polifonia; o estilo indireto livre).
            Após a leitura do texto em epígrafe conclui-se que se trata de uma pesquisa bem elaborada pela autora, onde ela advoga a utilização destas concepções e definições como suporte básico para a compreensão do objeto de estudo da crítica textual que são os documentos escritos, ou seja, o livro impresso e suas edições, dado que o seu escopo é fixar, interpretar e comentar este livro impresso e suas edições.
Com certeza, as teorias apresentadas visam esclarecer e aprimorar o conhecimento dos pesquisadores e destina-se aos estudiosos e interessados nos problemas com que se defrontam na preparação de texto. Acredita-se que apenas a linguagem está pouco acessível aos iniciantes, sem, contudo, descurar o rigor da informação científica, alicerçados que estão nas lições e experiência da competente pesquisadora desta abordagem filológica.

RESENHA CRÍTICA: A crítica genética


Profª. Drª. Bárbara de Fátima.


BIASI, Pierre-Marc. A crítica genética. In: BERGEZ, Daniel et alii. Métodos críticos para a análise literaria. Trad. Olinda Maria Rodríguez Prata. São Paulo: Martins Fontes, 1997.  p.1-44.

            O texto apresenta como introdução o objetivo maior da crítica genética: a dimensão temporal do texto em estado nascente. Os manuscritos contam uma história singular, onde o autor com a sua idéia principal, o momento em que o texto, escrito, aparece na forma de livro impresso.
            Biasi aponta a diferenciação entre a genética textual que ele define como aquela linha que estuda materialmente os manuscritos, que os decifra e a crítica genética como sendo aquela que interpreta os resultados das decifrações. Em ambos os casos percebem-se que o objetivo geral é a de reconstituir a história do texto em estado nascente procurando de forma incansável, os segredos de fabricação da obra. O processo é bem fácil de ser compreendido através desta abordagem bastante recente e por não dizer no auge de seus quinze anos, a crítica genética analisa o documento autógrafo para compreender a escrita e os passos de produção do texto. Também elabora os conceitos, métodos, técnicas e, ainda, introduz novas perspectivas, diga-se científica, na análise do fenômeno literário.
            O autor também descreve de forma bastante pedagógica os estudos da gênese na filologia clássica e na filologia moderna, através do texto em desenvolvimento, como estrutura em estado nascente, apresentado na extensão de um novo objeto, concreto e específico, estruturado pelo tempo, o manuscrito.
            De forma bem didática, observa-se que o autor descreve os estudos genéticos e os divide em quatro fases: fases pré-redacional, redacional, pré-editorial, editorial. Estas fases ou diferentes momentos permitem ao pesquisador reconstituir cronologicamente a gênese material da obra e empregar sucessiva e complementada quatro grandes operações da pesquisa: estabelecimento da documentação, especificação das peças, classificação genética, decifração e transcrição. O pesquisador se utiliza de um dossiê de manuscritos que como em uma investigação policial fornecerá as informações indispensáveis. Para tanto, a codicologia terá um papel fundamental pois por ser a ciência dos suportes materiais: tintas, tipo de papel, lápis, etc., o pesquisador pode classificar e datar documentos problemáticos ou não. Outra técnica se realiza através do tratamento híbrido que consiste em fazer um feixe laser atravessar o microfilme negativo de um manuscrito. Com a modernidade pode-se fazer uso de modernos softwares para realizar as “edições automáticas” de manuscritos e os primeiros “dicionários de substituição”.
Também se apresenta a gênese ligada a várias áreas: psicanálise (os rascunhos permitirão a construção de uma psicocrítica, que se enriquecerá com a interpretação dos fenômenos inconscientes); poética (fornece meio concreto de reflexão que se relacionam com o método e o objeto do autor); lingüística (os rascunhos mostram a relação de similaridade ou de diferença através do estudo da linguagem); sociocrítica (capta o vestígio do meio ambiente e dos processos sócio-históricos nos manuscritos).
Muitos campos de estudo para a genética textual e para a crítica genética são apresentados pelo autor que faz uso de uma linguagem clara, objetiva e, acima de tudo, esclarecedora como profundo conhecedor e pesquisador do assunto.