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Núcleo de Estudos Filológicos, Lingüísticos e Literários – NEFILLI

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CONTO E ENCANTO

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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

RESUMO: A filologia dos textos modernos



Profª. Drª. Bárbara de Fátima.

SPAGGIARI, Bárbara; PERUGI, Mauricio. A filologia dos textos modernos. In: Fundamentos da Crítica Textual. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2004. p. 173-229.

           
            Segundo a autora Bárbara Spaggiari, o primeiro dever do crítico textual é guardar a integridade (purity) dos documentos mais importantes da nossa literatura e da nossa cultura. Observa-se que nas literaturas anglo-saxônicas este ofício era um verdadeiro imperativo moral para o restabelecimento dos manuscritos literários e históricos nacionais na sua originalidade, bem como de preservá-los isentos das corrupções neles eventualmente introduzidas na sucessão dos processos de transmissão editorial.
            Entre os filólogos brasileiros há a tendência de misturar lições de textos diversos sem considerar a sua genealogia, o stemma, indispensável para fixar-lhes o arquétipo, ou introduzem alterações não justificadas por nenhum manuscrito, levados por certos preconceitos, hauridos em princípios doutrinários duvidosos ou numa análise distorcida dos fatos lingüísticos-literários do tempo.
            Numa época não muito remota, a autora apresenta que o filólogo e lingüista ainda não tinham clara consci~encia do processo de descaracterização dos textos em suas reedições, e por isso confiaram em muitas que mais tarde verificariam trazerem formas e construções modificadas pela indébita interferência de editores ou revisores que se achavam no direito de “atualizar” ou “corrigir” o que apenas deviam reproduzir com fidelidade.
            Como função primordial do filólogo, Spaggiari afirma que se o filólogo tem a obrigação profissional de emendar as modificações introduzidas ao longo da transmissão, tem igualmente que reconhecer e respeitar a vontade do autor, mesmo nas suas irregularidades, contanto que sejam cada vez mais devidamente racionalizadas.
            No Brasil, a crítica textual é comumente percebida, hoje em dia, como um dos instrumentos mais eficazes com vista a “participar do amplo e inadiável trabalho de defesa e valorização do patrimônio literário”. Mas, em muitos casos, os editores modificam indevidamente o texto original: 1- colocando os vocábulos no mesmo nível – pluralizando todos eles e 2- para aperfeiçoar, o editor banaliza o texto.
            A vulgata apresenta-se superior à de qualquer texto original, pois dá a oportunidade de, no aparato, reservar uma seção apósita a todas as variantes substantivas que, mesmo erratas, aparecem nas edições modernas que foram analisadas. A escolha do texto de base será aquele que melhor refletir a intenção final expressa pelo autor. Se o editor estiver de posse do manuscrito final e da primeira edição, então a escolha deverá recair no manuscrito como texto de base por dois motivos: 1- o manuscrito estará isento de qualquer erro de tipografia e 2- o manuscrito conservará as variantes de forma. Ao contrário Philip Gaskell apresenta que a escrita do manuscrito final é apenas uma fase no processo de redação. Sendo a revisão das provas tipográficas uma fase mais adiantada desse processo, segue-se que o texto impresso reflete com maior fidelidade as intenções finais do autor.
            A crítica lachmanniana está baseada numa concepção romântica das relações que existem entre o autor, suas obras, o público e as instituições culturais e sociais. O crítico textual deve ter em conta não apenas o fator da intenção autoral até porque o texto ideal não existe na realidade, nem  o autor autônomo. Alguns autores pertimtem participações alheias na responsabilidade pelo aspecto final do livro. Vários problemas surgem: acréscimo marginal do autor colocado num lugar errado, o copista está sempre sujeito à distração e ao erro.
            A função mais difícil da filologia moderna é a identificação das correções autorais, a eliminação das variantes de transmissão (inovações tipográficas). Já no campo das variantes substantivas, as intervenções mais pesadas nos textos de autores modernos dependem, com certeza, das práticas de (auto)censura. Há também o tabu temático, originados por um processo eufemístico de censura: amor homossexual, tentações carnais, etc.
            Os erros autorais não são apenas observados nos autores medievais ou quinhentistas. São erros de fato ou erros lingüísticos: erros históricos, geográficos, nomes, datas, isto significando falha na pesquisa do autor. Assim, o editor pode e deve corrigir os erros do autor;mas não pode e não deve inserir nenhuma informação falsa ou que não corresponda à verdade do universo do autor.Temos, assim, a distinção entre variantes formais e substantivas: erros substantivos (lacunas voluntárias) e erros acidentais (correção evidente). As emendas visam a trocar por uma construção mais polida um coloquialismo do autor, revelando assim uma atitude lingüisticamente preconceituosa.
            Na atualidade, tornou-se difícil o intuito de recuperar as características formais do original perdido. A uniformidade do estilo da composição, a rígida correção do editor sobrepõe-se aos traços do autor em relação à sintaxe, à pontuação e até à estrutura da fase do original. A roupagem nova não é favorável para autores antigos, sob pena de o editor dar origem a uma forma escrita, e muitas vezes até fonética, que nunca teria existido, criando um produto artificial visando o leitor moderno.
            Tradicionalmente, o estudo das variantes é diacrônico e obedece a um propósito normativo, pedagógico. A influência da crítica das variantes conseguiu, por vezes, até modificar a atitude dos próprios autores. No Brasil, a crítica das variantes cumpre com duas exigências primordiais: 1- reação à rigidez da sintaxe normativa; 2- a consciência da degradação editorial vigente (impossibilidade de o leitor e o crítico aproveitar os clássicos em edições fiáveis, isto é, filologicamente corretas).
            A teoria da crítica das variantes após vários anos, sob a luz da cultura francesa descobriu, a crítica genética. Esta nova abordagem versa sobre segredos que o texto impresso não permite conhecer e pretende fazer com o estudioso assista ao ato primeiro da criação acabada, desde a idéia até a sua realização final. O objeto da crítica genética são os manuscritos de trabalhos dos escritores. Enquanto crítica esta edição procura fixar um texto mais autorizado, isto é, mais próximo da vontade do autor; enquanto genética procura documentar o percurso seguido pelo autor na construção de cada texto.
            Hoje em dia, a investigação de arquivos e dos espólios autorais pelo pesquisador ocorre em várias etapas: 1- recuperar à pureza e integridade originária textos descaracterizados por práticas editoriais nada fiáveis, e, de qualquer maneira, deformados pelas inovações que se introduziram na vulgata; 2- reunir e publicar o conjunto de documentos aptos a aprofundar, de forma exaustiva, quer a pré-história genética de uma obra, quer a eventual sucessão de edições autorizadas; 3- publicar obras póstumas, procurando reconstruir da forma mais possível exata a vontade do autor; 4- enfim, trazer a lume os inéditos, quer estejam, quer não, em relação com as obras publicadas.
            A edição fac-similada é um instrumento técnico moderno que o filólogo utiliza para julgar uma edição crítica, quer de um manuscrito, quer de um impresso. O editor poderá estabelecer uma edição diplomática que vem ao lado do fac-símile. No laboratório do autor, o editor presencia a primeira fase, na prática, três etapas: 1- do cenário para o esboço; 2- do esboço para o rascunho; 3- e assim para a narração (elementos quer fantásticos, quer intertextuais). Temos o auge do processo de criação. Na segunda fase, temos as revisões, o autor lança-se à procura da palavra exata e da sua colocação no contexto. Na terceira fase, o autor vai limando as frases, conferindo através da lapidação cor, relevo, harmonia.
            Em seguida, temos o aparato crítico que é um sistema de notação destinado a registrar mediante símbolos especiais, usados na transcrição, a sucessão temporal das emendas (siglas curtas e evidentes).
            Na análise diacrônica das variantes percebemos que as variantes são susceptíveis de ser agrupadas conforme as relações que entretêm uma com respeito a outra, num quadro taxionômico e fenomenológico capaz de mostrar as constantes da produção autoral.
             Nas redações autorais temos dois fatos que a categoria de intenção ao autor se torna insatisfatória: 1- quando o editor tem de confrontar-se com um número considerável de variantes alternativas não resolvidas no manuscrito, dando-se também o caso de o autor hesitar entre uma e outra ao longo de sucessivas edições; 2- quando a natureza e a extensão do processo de revisão faz com que o resultado final pareça mais uma nova obra, do que uma versão definitiva da obra precedente.
            Na crítica textual aplicada aos autores modernos, um dos problemas mais árduos diz respeito à possibilidade de distinguir, em relação ao conceito de obra acabada (seja, ou não edita), entre texto inacabado e versão independente. Dificuldades análogas de arrumação apresentam-se na passagem do microtexto, isto é, da peça individual, seja ou não acabada, para o macrotexto, isto é, a recolha da qual é parte, e que pode ser mais ou menos vasta, mais ou menos provisória, e sobretudo, quer organizada, quer não, pelo autor.

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